quarta-feira, 23 de abril de 2014

A Utilização das Fichas


A instituição da ficha nos transportes coletivos brasileiros não é uma ideia ou invenção brasileira. Sua utilização foi decorrente de fatores inerentes aos vários tipos de transporte, às suas necessidades e às circunstâncias específicas de cada um.

Vale salientar que, independente das situações específicas, também existiram fatores culturais, “importados” e tecnológicos, que causaram suas adoções. Como exemplos destes fatores, temos:
- evasão de renda;
- diferentes distâncias gerando automaticamente diferentes preços nas passagens;
- empresários estrangeiros operando concessões nacionais e trazendo seus “hábitos”;
- roletas sem mecanismos para contagem da quantidade de voltas dadas, etc.

Premissas

Significado:
As fichas são reconhecidas mundialmente como objetos de troca (entenda-se aqui a palavra troca como a substituição por algo de valor, quer seja financeiro ou não). Isto faz com que sejam comparadas a moedas, e por este motivo passaram a ter valor fiduciário legal.

Origem:
Sua origem foi diversificada, servindo para vários fins (meios de transporte, comércio em geral, tais como bares, lojas comerciais, bancos, etc.), porém tendo como objetivo a troca, sendo que em algumas situações sem tempo de validade e em outras restritas ao momento. No nosso caso do transporte coletivo, em épocas passadas restritas ao momento.

Materiais utilizados:
Por sua semelhança e “finalidade” compatíveis com as moedas, inicialmente foram produzidas com materiais nobres, similares às próprias moedas, tais quais bronze, metal amarelo e/ou branco, cobre, níquel, alumínio, etc. Com o passar do tempo, foram gradativamente mudando para materiais mais modernos e também mais baratos, como baquelite, galalite, plástico, plástico flexível, ligas etc. As versões mais recentes, desde a década de 90, utilizam uma tecnologia que associa o plástico a códigos ópticos, onde são armazenadas informações que serão lidas e validadas por equipamentos de informática e feitas em poliestireno. Em função dos tipos de materiais utilizados, fica claro que fichas são peças fabricadas com materiais resistentes, que não podem e nem devem ser confundidas com bilhetes e/ou passagens de papel ou materiais similares.

 Nomenclatura:
Entendemos por transportes coletivos brasileiros que tenham utilizado fichas, os seguintes meios, conforme descritos:
  1. Trem: Transporte ferroviário, que utiliza tração elétrica ou animal;
  2. Metrô ou Metropolitano: Transporte ferroviário que utiliza tração elétrica;
  3. Barco: Transporte marítimo ou fluvial;
  4. Bonde: Transporte terrestre urbano, que utiliza tração elétrica ou animal;
  5. Lotação: Transporte terrestre urbano, com uma única porta dianteira, com capacidade máxima de 30 passageiros;
  6. Ônibus Elétrico: Transporte terrestre urbano, com duas portas ou mais, que utiliza tração elétrica, com capacidade superior a 30 passageiros;
  7. Ônibus: Transporte terrestre urbano e/ou interurbano, com duas portas ou mais, com capacidade superior a 30 passageiros. 
Utilizações:
Como citamos, cada tipo de transporte utilizou conforme suas condições e situações, que passamos a expor:

 Para tipos 1, 2 e 3
A cobrança da passagem era feita em bilheterias e não no interior do veículo. Por isso eram utilizadas as fichas ou os bilhetes, em função das distâncias percorridas (para trens e metrôs) e dos tipos de acomodação ou localização do passageiro (para trens e barcos).

Ilustração: Em 1864 a Companhia Nictheroi & Inhomerim, uma das operadoras que exploravam a concessão de barcas entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, disponibilizava aos seus usuários aproximadamente 15 preços diferenciados de passagens, em função da localização do passageiro dentro das barcas. Estas fichas no formato ovalado, foram cunhadas em bronze e fabricadas em Londres. Eram verdadeiras medalhas, muito mais bonitas do que muitas moedas circulantes no mundo, à época.

Para tipo 4
Como existiam tipos distintos de bondes, totalmente abertos ou com portas dianteiras e traseiras, existiam também condições diferentes de efetuar a cobrança da passagem:
- para os totalmente abertos, um cobrador circulava pelo estribo do bonde e à proporção que cobrava e recebia o pagamento da passagem, registrava em um marcador, tipo relógio. Este controle era totalmente visual e sem nenhum recibo para o passageiro; e
- para aqueles com portas dianteiras e traseiras, o cobrador ao receber o pagamento da passagem retornava ao passageiro uma ficha ou um bilhete, que deveria ser depositado, ao sair do veículo, em uma caixa coletora.

Para tipos 5, 6 e 7
Estes tipos de veículos, apesar de terem diferentes nomenclaturas, possuem uma linha similar como meio de transporte. Suas diferenças básicas são a quantidade de passageiros transportados e as de portas de acesso.

Para os colecionadores de fichas de transporte estes 3 meios, no Brasil, forneceram aproximadamente 97% de todo o material colecionável existente, pois a grande maioria dos fatores para utilização das fichas, para eles se aplicaram.

Ilustração: Nesses três tipos, as caixas de fichas, também conhecidas como caixas coletoras, eram colocadas na saída, ao lado do banco do motorista do veículo, para que ele pudesse verificar a cor da ficha colocada na caixa quando da saída do passageiro, e associá-la a seção daquele trajeto, confirmando ou não a sua validade. A diferença entre o lotação e os dois tipos de ônibus, é que no lotação quem distribuía as fichas era o próprio motorista, enquanto que nos ônibus elas eram entregues pelo cobrador após receber o valor do pagamento da passagem/seção. Conforme mostram as fotos, as caixas tinham uma ranhura na parte superior - que era de vidro ou de plástico transparente -, onde a ficha era colocada a vista do motorista e na parte de baixo havia uma caixa fechada onde as fichas caiam, dentro dessa caixa havia um baú removível para posterior contagem das fichas e da féria. 







(Fotos cedidas por Maurício Faria, de Belo Horizonte)

Caixa coletora no interior do ônibus 70 - Leblon x Estrada de Ferro

Vamos analisar cada fator citado e, dentro do possível, ilustrá-los:

Importado:
Alguns dos veículos importados vinham equipados com caixas coletoras, que tinham como finalidade o depósito do valor da passagem, em moedas e na presença do motorista, pelo passageiro ao embarcar (veja item 1 abaixo, do fator Cultural).

Ilustração: Em alguns países estas caixas coletoras eram e ainda são utilizadas, não só para depósito de moedas como também para fichas, que correspondem ao valor da passagem e são vendidas antecipadamente por um preço mais barato conforme a quantidade adquirida.

Cultural:
1) Associado ao item 1 do fator “Importado” - O aumento constante nos preços das passagens criou um problema para o motorista: conferir o valor depositado em moedas pelo passageiro na caixa coletora, devido à quantidade de moedas. Culturalmente falando, a grande maioria das moedas depositadas não era compatível com o valor que deveria ser pago, o que na melhor hipótese significava uma evasão de renda.
2) Em muitas capitais brasileiras, à proporção que elas cresceram, foram adotadas as “seções”, pois se a operadora mantivesse um único preço para todo o percurso, somente teria como usuários aqueles passageiros que morassem nas cercanias dos finais das linhas e estaria perdendo aqueles outros intermediários, que não iriam pagar uma passagem mais cara, por um percurso menor.

Ilustração: Para solucionar os problemas dos itens 1 e 2, foram adotadas as fichas que são reusáveis, quando comparadas a bilhetes ou passagens. A primeira operadora no Brasil a instituir o sistema foi a Viação Excelsior, do Rio de Janeiro, que na década de 30 substituiu as moedas por grandes fichas de alumínio, com 5,5 centímetros de circunferência, confeccionadas artesanalmente em suas garagens. Nesta ocasião, os cobradores receberam a denominação de “trocadores”, pois inicialmente sua atividade no interior do ônibus era restrita à troca de dinheiro graúdo (cédulas) por dinheiro miúdo (moedas) e após o advento das fichas, começaram entregando as fichas aos passageiros e posteriormente além da entrega das fichas também recebiam o pagamento da passagem. No Rio de Janeiro, as fichas, em uma certa época, também eram conhecidas como “chapas”.

Ficha de alumínio da 4ª seção - Viação Excelsior

Tecnológico:
As roletas existentes e/ou fabricadas no Brasil, não possuíam mecanismos para contagem da quantidade de voltas dadas, ou seja, a quantidade de passageiros que pagaram passagens. Dessa forma eram necessárias as fichas ou bilhetes, para contabilizar a quantidade de passagens vendidas e a receita diária de cada veículo.

Ilustração: Inicialmente os trocadores e cobradores trabalhavam em pé, circulando pelo veículo. Com o passar do tempo, os cobradores foram “premiados” com um banco localizado perto da porta traseira, acompanhado de uma pequena mesa com gaveta para guardar o dinheiro e as fichas ou bilhetes. Foram colocadas roletas para que os passageiros passassem um a um e pagassem suas passagens, mesmo elas não registrando a quantidade de voltas dadas.

Atualidade:
Em função de procedimentos para unificação dos preços das passagens, independente dos fatores distância entre localidades e principalmente para reduzir os custos da população mais carente, que normalmente mora mais longe, a utilização das fichas foi radicalmente eliminada das cidades brasileiras, sendo substituídas pelos cartões magnéticos, recarregáveis.


(A Noite, 26/08/1931)

(Diário da Noite, 28/03/1932)

(A Noite, 17/02/1937)

(Diário de Notícias, 14/07/1937)

[Pesquisa e texto: Eduardo Cunha]

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